A
cidade de Lordelo resultou da fusão de duas antigas paróquias
medievais, uma se dia das na margem direita do Ferreira a extinta S.
Paio de Parada, (também dita "da Castanheira") e a outra, S. Salvador de
Lordelo, outrora limitada à área localizada na margem direita daquele
curso de água. Sendo a desaparecida Castanheira, de uma forma geral,
mais altaneira e desafogada na sua topografia, aos seus antigos domínios
territoriais se costuma agora emprestar o epíteto de "Lordelo de Cima"
por oposição aos mais fundos e recatados domínios de "Lordelo de Baixo",
onde afinal tem seu assento o actual templo paroquial.
Não
deixa de ser curioso constatar como, ainda hodiernamente, se mantém nas
populações locais um certo espírito de emulação bairrista entre as duas
metades da freguesia, separadas pelo Ferreira. Será, aliás, firmado
nessa quase rivalidade, o surgimento de duas diferentes equipas de
futebol amador, pela primeira metade do século, com seus improvisados
recintos e planteis. Antes, porém, já havia sido criada uma outra
"colectividade", a qual recebera o nome de "Aliados" assentando arraiais
na vizinha freguesia paredense de Vilela, mas juntando praticantes e a
assistentes quer de Lordelo, quer de Rebordosa.
"Aliavam-se"
assim, logo pelos finais dos anos vinte deste século, os incipientes
futebolistas da extrema noroeste do Concelho de Paredes. Desses
primórdios futebolísticos parece não subsistir mais que uma vaga
memória, plasmada em algumas entrevistas e textos de antigos atletas e
dirigentes do Aliados de Lordelo, alguns entretanto já falecidos.
Para
António Dias Ferreira, as mais profundas raízes do actual Aliados
Futebol Clube de Lordelo, mergulharão num primitivo clube, surgido "por
alturas dos anos 30" sob a designação de "Aliados". E "não foi por acaso
que lhe chamaram "Aliados"; é que dele faziam parte rapazes de Lordelo,
Rebordosa e Vilela. Por isso, e muito bem, eram todos aliados uns aos
outros".
O
"Aliados" terá surgido essencialmente a partir da acção de uma então
poderosa família de "brasileiros", ou seja, antigos emigrados naquele
país irmão posteriormente estabelecidos em Lordelo. A dita família, de
apelidos Moreira da Silva, possuía considerável fortuna, residindo em um
par de vistosos palacetes geminados que ainda se erguem com certa
sobranceira nas imediações da Igreja Paroquial (conferir texto sobre o
património edificado).
Sob
o impulso daqueles magnates, o primitivo "Aliados" instalar-se-ia num
campo de jogos sediado junto os limites orientais da freguesia de
Lordelo, mas já na vizinha Vilela, junto à importante fábrica de
contraplacados que os Moreira da Silva ali possuíam. Na actualidade,
aqueles terrenos deram lugar à Escola Secundária de Vilela.
Tratava-se
de um clube popular, dedicado exclusivamente ao futebol amador e não
oficializado, levando a cabo animadas partidas amigáveis. Não faltariam
porém ali alguns jogadores de elevada crave ira e domínio técnico, os
quais, a terem ingressado em clubes federados, poderiam eventualmente
atingir elevados níveis nas respectivas carreiras profissionais.
A
freguesia de Lordelo conheceu sempre, desde os finais do século passado
pelo menos, uma certa ligação privilegiada com o Brasil, em termos de
correntes migratórios laborais. Essa relação estreitar-se-ia
particularmente no período do pós-guerra, ou seja, a partir de 1949-50.
São ainda hoje muito estreitos os laços que unem os lordenses e seus
familiares e amigos fixados do lado de lá do Atlântico, nalguns casos já
com sua descendência.
Numa
entrevista concedida em 1977 ao desaparecido jornal desportivo "O
Chuto", Francisco de Barros, entretanto já falecido, apontava para o ano
de 1929 como sendo o do nascimento do clube (Aliados F. C. de Lordelo),
então "com o nome de Industrial Sport Clube de Lordelo. E desenrolava
então o seu acervo de memória, da forma que segue: "Tudo aconteceu
durante uma festa em Paços de Ferreira, denominada por S. Gonçalo. Nessa
altura foram convidados onze atletas de Lordelo para disputar com eles
um jogo, que viria a terminar com um empate. Passados que foram alguns
dias, viriam a juntar-se à sombra do sobreiro da capela de Vinhal,
Ernesto Ferreira (Barrote), Diamantino-Agostinbo Moreira Palbeira, Neca
Almeida, António Neto e outros. Depois da reunião, logo ficou assente
que o clube passaria a chamar-se Industrial Sport Clube de Lordelo. Nome
que viria a desaparecer em 1947".
Eram
então muito vulgares os "desafios" lançados verbal e espontaneamente
entre as improvisadas equipas, dando origem a acalorados encontros de
futebol, onde a disputa pela vitória ganhava foros de luta "tribal".
Francisco
de Barros, um dos cinco irmãos conhecidos pela alcunha de "Peletras",
era em 1977 o decano da colectividade ("Aliados F C. de Lordelo"),
contando sessenta anos de idade.
Um
sobrevivente, embora um pouco mais jovem, dessa fase "embrionária" do
"Aliados de Lordelo" é o já citado A. Dias Ferreira, mais conhecido por
António da Campa. É ele mesmo quem recorda a existência do
"Arranca-Tocos" (Industrial Sport Clube), com seu campo no Vinhal e do
rival de Soutelo (Lordelo "de Baixo"), apodado de "Os Panelinhas" (União
Desportivo de Lordelo). Atentemos num seu depoimento, publicado em 1990
(Terras da Nossa Terra", Ano 25):
"Entretanto,
na freguesia de Lordelo, formaram-se dois clubes, sendo um com o seu
campo de jogos no lugar do Vinhal e o outro no lugar de Soutelo, nuns
terrenos de Castro Araújo (que tinha mandado construir uma escola
primária, para oferecer ao Estado). O terreno fazia parte praticamente
do recreio das escola, e daí que ninguém se opôs a que lá se
constituísse um campo de jogos. A partir daí formou-se uma grande
rivalidade entre os dois clubes, aliás o que sempre acontece em casos
semelhantes. Porém, todos os jogos eram amigáveis, porque os recintos
não tinham medidas nem condições exigidas pela lei.
A
maior parte do atletas do velho «Aliados" veio jogar para estes dois
clubes, mas sempre com maior frequência para o lugar de Vinhal, que
ficou com o nome de Industrial F. Clube. Embora a rivalidade fosse
grande, também estes dois clubes tiveram curta duração... "
Campos do Vinhal de Soutelo e de "Castro Araújo”
A
estas "primicias" do futebol lordelense, os recintos adaptados à função
futebolística deixavam muito a desejar em termos de condições técnicas.
Eram simples rectângulos de terra batida, de topografia mais ou menos
plana, onde uns quaisquer toros de pinheiro serviriam de improvisadas
balizas e as marcações se resumiriam a simples regueiras, nem sempre de
rectilíneo traçado...
Conta,
por exemplo, o já nosso conhecido "Antonio da Campa" que, por altura do
ano 1949, uma camada de jovens que reuniam em casa do Manuel Garageiro
(para além dos já citados seriam ainda o "Antonio da Querida", o
"Arnaldo Costinba", o «Manuel Catunto" e outros), terão resolvido
arranjar o campo da escola, "para ir dar uns pontapés". Toca então de ir
ao monte buscar uns pinheiros para arranjar duas balizas, porque para
os restantes trabalhos bastaria a força braçal dos atletas, mais algumas
pás e picas... Depois do campo arranjado (a remediar) logo se fizeram
as equipas, sendo as botas da conta de cada um, só jogando quem se
prontificasse a quotizar-se com, imagine-se, dez escudos de
mensalidade...
Sobre
o primitivo Campo do Vinhal, subsiste, por seu turno, o indelével
testemunho de Francisco de Barros (o saudoso "Xico Peletra").
"Entretanto
vários problemas surgiram na altura com a senhoria do campo (do
Vinhal), acontecendo que, depois de aconselhados pelo nosso advogado,
fomos mesmo para tribunal. (..) Ainda sobre o caso da senhoria, quero
aqui dizer que o tribunal viria a condená-la a pagar 7.800$00 de
indemnização, o que, na altura, era já muito dinheiro". A estabilidade,
em termos do surgimento de uma área específica destinada à prática
desportiva (e, muito concretamente, do futebol) em Lordelo, acabaria por
surgir apenas por 1950. Nessa altura, e na sequência da louvável acção
benemérita de um outro "brasileiro", este de apelido Castro Araújo,
acabaria por ser disponibilizada uma razoável parcela do antigo recinto
de recreio adstrito à escola que aquele mesmo personagem mandara
edificar, para proveito da sua terra. Foi a partir daí que surgiu, "em
popular", o actual Aliados Futebol Clube de Lordelo, conforme se contará
com mais pormenores já adiante. Entretanto, e pela segunda metade dos
anos setenta, já o "velho" Campo Castro Araújo servia apenas as camadas
jovens do. Aliados, dado o surgimento a um novo e mais digno Estádio da
Parteira.
O
actual Aliados, agora mais apropriadamente designado "de Lordelo",
mergulhará suas raízes num episódio que faria jus, uma vez mais, àquele
honroso adjectivo e, em especial, à velha máxima popular segundo a qual
"a união faz a força", seguindo um uso corrente na época, havia sido
"contratado", o dia 28 de Maio de 1950 (antigo feriado comemorativo da
"revolução" do Estado Novo), um jogo amigável entre o vizinho
Balselhense (equipa de certo gabarito, local, pois contava já com
diversos jogadores filiados, entre os quais alguns atletas da F.N.A.T.) e
a formação lordelense que treinava no antigo campo de Soutelo (ou seja,
os de Lordelo "de Baixo').
O
aprazado encontro adivinhava-se difícil para os de Lordelo, pelo que,
procurando evitar uma mais que previsível "cabazada", o grupo resolveria
procurar reforços no seu rival "de Cima" - isto é, a equipa do Campo do
Vinhal. A pessoa mais indicada para levar por diante a negociação"
seria o António "da Campa", visto que em sua casa trabalhavam nada menos
que três dos cinco irmãos "Peletras". Estes últimos constituíam o
"núcleo duro" da equipa do Vinhal, a qual, à conta e uma natural
rivalidade bairrista, jurava "não pôr os pés no Campo de Soutelo".
Decorriam
na altura as novenas do "Mês de Maria" na Capela de Nossa Senhora do
Alívio, no Vinhal, quando o António da Campa lá foi encontrar, à espera
da hora de início das cerimónias religiosas, os cinco irmãos Pe1etras:
Francisco, Amadeu, Manuel, José e Jerónimo de Barros. Com um estreito e
firme relacionamento fraternal, este grupo obedecia "cegamente" às
ordens do Francisco, mais conhecido por Chico Peletra, pelo que bastaria
convencer este último para se consumar o acordo de cooperação. Assim o
conseguiu o emissário António da Campa, pelo que, no dia combinado para o
"histórico" encontro, já foi o Chico a orientar a equipa, como
treinador jogador, tendo conseguido um resultado notável para as
circunstâncias: em empate a três bolas...
Daí
em diante assim se continuou, consumando-se a "fusão" dos lordelenses
de baixo e de cima, a partir de então "Aliados" para o que desse e
viesse. Outros encontros, mais "pesados" ainda (com o Freamunde, por
exemplo) se foram concretizando, contribuindo assim para a consolidação
de uma equipa que se antevia talhada para ainda mais altos voos... Assim
começou o actual "Aliados", ao qual se acrescentaria a denominação de
"Futebol Clube de Lordelo", nome que ainda hoje mantém.
O
crescente entusiasmo dos atletas e da população em geral, levaria à
mobilização de esforços no sentido de estabelecer, de forma oficial e
definitiva, uma agremiação desportiva em Lordelo. A 18 de Maio de 1953
era lançada uma "carta-apelo" a todos os lordelenses, dando conta da
efectiva instituição do "Aliados de Lordelo", o qual, com estatutos já
filiado na Associação de Futebol do Porto. Eis, na íntegra, o histórico
texto:
A
história do Aliados, como aliás a de qualquer outro clube ou
colectividade desportiva, tem-se desenvolvido com seus altos e baixos,
sobressaltos que, pela positiva ou pela negativa, vão dando forma a uma
identidade própria, assumida por todos quantos se empenham na sua
continuidade e engrandecimento.
Desde
a sua instituição oficial, que este ano cumpre a histórica meta do meio
século de vida, até à actualidade, muitos foram os atletas, dirigentes e
técnicos que passaram pelas instalações do clube, desde o velho recinto
"Castro Araújo" até ao actual Estádio da Parteira. Dos incontáveis
plantéis e importantes feitos por estes perpetrados, há porém uma "época
de ouro", onde o clube atingiria as mais ambicionadas metas, a
culminar, naturalmente, as mais elevadas "performances" futebolísticas.
Todos quantos seguem de mais perto a história do clube, se recordarão de
uma emblemática formação que, na segunda metade dos anos setenta,
lograria erguer o clube até os píncaros da fama. Muitos desses atletas
nem sequer eram profissionais de futebol, juntando por vezes essa
actividade desportiva à árdua labuta diária em exigentes e duros
trabalhos dos mais variados ramo. A segunda metade da década de setenta
ficaria indelevelmente marcada nos anais do clube de Lordelo, primeiro
com a subida ao Nacional da III Divisão (época de 74/75), depois com a
histórica vitória sobre o Leixões (que então militava na I Divisão
Nacional) na disputa pela Taça de Portugal de 75/76 e, finalmente, com a
glorio a subida à II Divisão, isto na época de 77/78. Ainda relacionado
com a Taça de Portugal merece a pena que aqui seja relatado o artigo
publicado no Jornal Desportivo em 3/12/76, pelo jornalista Oliveira
Lopes: " ... a "Taça" é mesmo assim! Um clube da III Divisão, depois de
ir empatar a "casa" dum clube da I, com prolongamento e tudo o mais,
venceu o jogo de desempate, com a maior naturalidade! Mas será só a
"Taça”?!
Fica a questão em suspensão.
Para
nós, o Aliados de Lordelo tem equipa para se bater condignamente em
qualquer campo com um bom adversário indiscutivelmente que sim. Isso
mesmo provou em 210 minutos, tanto quanto durou a eliminatória com o
Leixões. Questão de sorte? Uma dúvida que normalmente floresce nestas
eliminatórias da "Taça". Categoricamente dizemos que não. Quem assistiu
ao jogo do "Mar" e viu esta "segunda parte" em Lordelo, chega à
conclusão que passou o melhor. Circunstancialmente. Mas... o melhor
destes dois jogos! O que é tremendamente curioso. Ou não será?! ...
Posto
este intróito, que serviu para definir uma posição realista desta
eliminatória, em que um clube da III bateu o pé a um da I nacional,
analise-se o que se passou, então, em Lordelo. Num dia de chuva
incessante, daquela que a todos molha, menos os apaixonados, que vão lá
ver para crer.
Mais
que o futebol exibido pelo Aliados, para nós uma sensação, como já o
tinha sido em Matosinhos, num aspecto os "aliados" foram
espectacularmente surpreendentes. Naquele modo simples, humilde (tão na
modal) como interpretaram os incidentes do jogo. Mas, para além disso,
que já era factor deveras importante, houve um outro, talvez o mais
decisivo nesta questão; a serenidade, a auto-confiança, a espectacular
presença em todos os terrenos de jogo, onde a bola surgisse para ser
disputada. Nada de pontapés para a frente. Tudo burilado. Esquema sobre
esquema. Drible, intenção de apoio, por vezes sensacional, para mais num
campo completamente alagado por uma chuva miudinha, intensa, que nunca
mais parou desde manhã.
Terá
residido, neste pormenor, no modo como todos os "aliados" encararam
esta forma de luta que subsistiu toda uma sensação, toda uma vitória,
que, muito serenamente, peca apenas por exígua. Esta a grande verdade do
jogo. Este o maior elogio que poderemos fazer à exibição do "onze" de
Lordelo.
É
que nunca, mas nunca, apesar do terreno a isso convidar, se viu nas
biqueiras das botas dos homens do Aliados, força a mais, aquele futebol
meio força, meio coração. Tudo planificado.
Movimentos
colectivos. Bola na defesa, olhar para o ar (mesmo com nevoeiro
intenso...), um passe certeiro, para o companheiro continuar o lance, A
organização contra o improviso, Neste caso, do Leixões que, às tantas,
teve mesmo que entrar no tal tipo de futebol de "salve-se quem puder!".
Este a espectacular verdade, A imagem real duma superioridade raramente
contestada",
A
"equipa dourada" do Aliados de Lordelo, apurado para a Liguilha em
1977/78 (na disputa com o Académico de Viseu e o Juventude de Évora) era
constituída por alguns nomes ainda hoje sonantes no mundo futebolístico
- Jaime Pacheco, Valdemar Pacheco, Lamas, Simões, Floresta, Manuel
Pacheco, Regadas, Joaquim, Teixeira, Malheiro e Brandão, entre outros.
Esta
(magnífica) formação do Aliados ficaria a um passo da subida à I
Divisão nacional (há quem garanta mesmo que esse passo só não pôde
dar-se pela bem conhecida acção das "forças ocultas", próprias do
submundo futebolístico...). Claro está que um elenco tão "apurado"
haveria de despertar algumas cobiças, pelo que o seu desmembramento
tornar-se-ia inevitável, até pelas dificuldades que a colectividade
enfrentaria no sempre incontornável jogo do poder financeiro. "O
problema foi que, - como bem frisou a jornalista Sandra Soares - com
este brilharete, grande parte dos jogadores foi açambarcada pelas
grandes equipas nacionais e o Lordelo, apesar de se ter mantido mais uma
época na II Divisão, acabou por descer, regressando aos distritais".